Título original republicado: “66. Começando por Mystonks: Expondo as armadilhas de marketing de ‘compliance dos EUA’ em plataformas cripto”
[Introdução]
A Mystonks, plataforma que promove a “tokenização de ações dos EUA”, recentemente enfrentou forte crítica ao congelar fundos de usuários. Segundo relatos, a empresa reteve ativos significativos sob alegação de “fontes de fundos dos usuários não conformes”.
Do ponto de vista da conformidade financeira, essa conduta é bastante incomum. Uma instituição financeira regulada, ao identificar fundos suspeitos, normalmente recusa o depósito, devolve os valores ao remetente e reporta o incidente às autoridades. Ao optar por “reter” ativos, a plataforma põe em xeque sua alegação de “compliance”.
A Mystonks costuma destacar seu registro MSB nos EUA e a emissão de STOs reguladas como principais diferenciais. Mas qual o real significado dessas credenciais “compliance”? Investiguei a fundo.
Na apuração, percebi que o marketing da Mystonks tem algum embasamento. A Mystonks Holding LLC está, de fato, registrada no banco público da Comissão de Valores Mobiliários dos EUA (SEC).
Os pontos-chave do documento Form D incluem:
● Tipo de registro: Isenção de oferta privada conforme a Regulation D, Rule 506(c).
● Investidores elegíveis: Apenas “accredited investors”.
● Captação de recursos: US$ 575.000, com investimento mínimo de US$ 50.000.
Esse documento é o cerne do problema — e potencialmente a parte mais enganosa do marketing da plataforma.
Primeiro: o Form D é uma notificação, não uma licença operacional. Significa apenas que a empresa comunicou à SEC uma oferta privada. A SEC apenas arquiva o documento — não analisa, aprova ou endossa credenciais ou legitimidade dos projetos.
Segundo e mais importante: o registro restringe severamente o perfil do investidor. A Regulation D destina-se a colocações privadas, permitindo só a participação de pessoas físicas ou jurídicas abastadas (“accredited investors”). Para a Mystonks, plataforma aberta ao público, a maioria dos usuários não se enquadra nesse padrão.
Na prática, Mystonks usa um documento voltado para captação restrita entre ricos para operar negociações públicas de valores mobiliários — uma atividade que exige licenças bem mais rígidas.
Esse modelo explora a desinformação dos investidores de varejo sobre a regulação dos EUA. Mistura conceitos fundamentais e, para uma oferta legal de trading de “security tokens” ao público, são necessárias licenças ATS (Alternative Trading System) ou Broker-Dealer — bem mais exigentes que o simples Form D.
Após os pontos sobre STOs, vale analisar uma estratégia de marketing ainda mais recorrente — o registro MSB dos EUA.
O investidor precisa reconhecer um fato básico sobre o registro MSB: sua relevância e importância são amplamente infladas na divulgação de projetos cripto.
O MSB (Money Services Business) é regulado pela FinCEN, órgão ligado ao Departamento do Tesouro dos EUA, cuja missão primária é o combate à lavagem de dinheiro (AML). Ou seja, a FinCEN apenas exige que as plataformas reportem atividades suspeitas, visando prevenir crimes financeiros; não garante segurança dos recursos do usuário ou avalia modelo de negócios e capacidades tecnológicas do projeto.
Além disso, a obtenção do registro MSB é rápida e barata. Com apoio de intermediários, projetos concluem o registro no exterior — sem necessidade de operação nos EUA. Por isso, muitos utilizam o MSB para criar uma imagem de “compliance”.
Assim, quando uma plataforma voltada ao público internacional enfatiza o registro MSB, o investidor deve enxergar o recurso como uma estratégia de marketing — não como prova concreta de robustez financeira ou regularidade.
A Mystonks não é caso isolado. O exemplo revela as estratégias usuais de “fachada de conformidade” empregadas por plataformas que atuam em áreas de regulamentação ambígua. Exchanges e provedores financeiros repetem esse procedimento padrão, o investidor precisa estar atento.
O procedimento dessas plataformas geralmente envolve:
Como investidor, é essencial reconhecer essas práticas. Para realmente identificar plataformas em “compliance”, lembre-se de dois princípios:
● “Compliance” verdadeiro é caro e concreto. Exige pagamento de licenças, depósitos, locação de escritório e equipe jurídica local. Se for barato e invisível, é superficial.
● “Compliance” verdadeiro é transparente e específico. Plataformas legítimas exibem tipo de licença, número de registro, escopo normativo e restrições. Afirmações genéricas e vagas dificilmente passam no crivo.
Ao tomar decisões de investimento, trate “compliance” como critério jurídico rigoroso — nunca como mero argumento comercial. Manter essa distinção é indispensável para proteger seu patrimônio.